Lembro da história daquela garota, eu sentia pena dela, tínhamos algo em
comum. Depois de um tempo, ela se tornou uma lenda urbana, algo para
tentar assustar os adolescentes. A geração mais nova não acredita no que
falam a respeito dela, e os mais velhos, evitam o assunto.
O nome da garota era Maria, um nome simples, para uma história
complicada. A família dela morava na zona rural da cidade, eram pessoas
pobres, humanos malditos, nascidos na sujeira. Maria nasceu com um
problema físico, devido ao modo como ela e seu irmão estavam no ventre
da mãe. Só ela sobreviveu, os médicos diziam que algumas cirurgias
resolveriam o problema, porém, as coisas se tornaram mais difíceis, não
havia dinheiro para as operações. O governo não era do tipo que se
preocupava com o povo. Dois anos se passaram, e os pais de Maria
decidiram parar de correr atrás dos inúteis governantes que comandavam o
país.
Tempos depois, ela já estava acostumada com a curva em sua coluna, não
conseguia correr, facilmente perdia o equilíbrio, não praticava
esportes, nada além de caminhar. Devido aos seus problemas, Maria só foi
matriculada aos dezesseis anos no colégio da cidade, e deixou a
pequena escola onde estudava perto de casa. Ela estava nervosa, todos
estranharam sua chegada. Nunca haviam visto alguém com tal deformidade,
sentiam pena, ficavam observando, e dando forças para que ela
continuasse a viver sua vida normalmente. Infelizmente, nem todos os
estudantes que agiam assim.
Havia um garoto, um marginal, dizia que era normal, e Maria não devia
estudar na mesma escola que ele. As provocações começaram na segunda
semana de aula. Ninguém o impedia, pois ele era de uma família rica e,
caso alguém o contrariasse, não seria convidado para suas festinhas de
final de semana. Ele infernizou a garota por meses. Foi o suficiente
para acabar com sua paciência. Ela não queria chamar mais atenção na
escola, por isso não procurou ajuda, e seu pais, estavam constantemente
preocupados tentando sair da miséria. Maria implorou diversas vezes para
que não fosse mais incomodada.
A garota pensou muito no que devia fazer, e quais eram suas opções.
Decidiu e escolheu a errada. No dia seguinte, ela só tinha uma ideia na
cabeça: esfaquear o marginal durante o intervalo entre as aulas, e sair
ilesa de tudo isso. O garoto sempre fumava maconha em um banheiro
abandonado, ele estava completamente chapado, não viu ela se aproximar,
duas facadas seguidas de um grito desnecessário de raiva foram o
suficiente. Um funcionário ouviu o grito, Maria já estava no corredor,
não pensou duas vezes antes de correr, e perdeu o equilíbrio quando
chegou na escadaria. Jason, o garoto esfaqueado, foi levado para o
hospital, e sobreviveu. Mas Maria quebrou o pescoço durante a queda.
Dizem que ela ainda não se foi, que ela não descansará enquanto não
acabar com todos os praticantes de bullying do mundo. Como todos falam,
hoje em dia, essa é só mais uma lenda, mas é claro que algumas pessoas
afirmam terem a visto vagando pela escolas, corredores escuros, ou
locais públicos. A curva em suas costas é notável.
Meu avô me contou essa história três dias antes de morrer. Ele disse que
realmente tudo aconteceu há muito tempo atrás. Sua memória e corpo
estavam debilitados, em consequência de seus setenta anos, então não o
levei a sério. O que ele quis dizer com isso, foi que alguns malditos
nascem para sofrer, e não importa o que façamos, esse é o destino deles.
Mas há algo que ainda me perturba: havia duas cicatrizes em seu peito.
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