Série A CORRENTE:
(Leia Antes: Prólogo, Capítulos: 1, 2, 3, 4, 5, 6,8, 9,10,11,12,13)
Leda, eu preciso acabar com isso. Abre para mim, menina. – diz Roberto, com a testa na fresta da porta.
Primeiro o som intermitente, talvez a roda de um carrinho de compras precisando de óleo. A escuridão dá lugar à imagem
turva de um teto com luzes fluorescentes passando rápidas por seus
olhos. Lídia tenta compreender porque o teto está se mexendo assim, mas
ao recuperar um pouco mais dos sentidos, percebe que está sentada. Ela
consegue enxergar, ainda meio desfocado, que está sendo levada numa
cadeira de rodas, sem saber por quem.
Lídia chega a sentir a pressão dos braços de quem a empurra em cada
passo, como se a pessoa mancasse ao conduzir a cadeira. Seu pescoço está
dolorido a ponto de levar a mão na nuca, sentindo o colete que a
imobiliza.
– Fique quietinha, senhorita. Logo, logo você estará no seu quarto e
poderá relaxar. Quem sabe não tiramos este incômodo do seu pescoço? – a
voz gentil vem de trás.
– Obrigada. Onde estou?
– No hospital Santo Antônio. Você sofreu um acidente.
– Acidente? Que tipo de acidente?
– Você foi atropelada. Lembra-se de antes disso?
– Sequer me lembro disso, moço!
Lídia finalmente consegue ver quem empurra o carrinho. Constata que é um
enfermeiro assim que ele se afasta para abrir a porta do quarto.
– Ah, isso é normal. Mas fica tranquila que logo a sua memória volta.
Lídia é levada para um quarto com três camas, separadas por cortinas.
Uma delas, a do canto esquerdo, estava ocupada. Cabe à Lídia a cama do
meio, para onde o enfermeiro a leva.
Forçando a mente debilitada para lembrar de cada detalhe, Lídia tenta
entender o que aconteceu. O rapaz, todo sorrisos como um bom enfermeiro
deve ser, ajuda-a a sair da cadeira, acomodando-a na cama gentilmente.
– Pronto. Agora, é só descansar um pouquinho, enquanto o doutor não chega. Vou aplicar um medicamento para a dor do pescoço, ok?
– Obrigada, viu? – agradece Lídia, ainda sem saber o que pensar de tudo
aquilo. Ela só consegue lembrar toda aquela loucura envolvendo Roberto,
que parece tão distante quanto um sonho ruim. Ao pensar nisso, a
constatação é óbvia:
– Pesadelo!
– Oi? O que você disse, moça? – o enfermeiro dá a Lídia dois copinhos, um com comprimidos e outro com água.
– Por quanto tempo eu apaguei, moço?
– Há três dias. Você dormiu um bocado!
Lídia sorri. Não liga para o seu estado de saúde, só importa saber que tudo que passou nada mais foi do que um terrível pesadelo.
– Então... Eu não vou morrer?
– Vira essa boca pra lá, menina! – diz o enfermeiro, tomando os copinhos de Lídia. – Aqui você não morre, não no meu turno!
Lídia se assusta, mas percebe a brincadeira quando olha para o enfermeiro e é presenteada com um sorriso.
– Relaxa! – ele tenta quebrar o gelo. – Então, o que quer fazer? Ver televisão? Entrar na internet?
Ao ouvir essa última palavra, o coração de Lídia bate tão rápido que a
cabeça chega a doer. Ela olha para o enfermeiro e vê cortes profundos em
seu rosto e um olho vazado, coroado por um sorriso macabro. Lídia pisca
e nada mais disso estava lá.
– Internet? Mas não tem como acessar daqui... nem computador tem – dissimula, curiosa para saber aonde o enfermeiro quer chegar.
– Tem sim, querida. Recebemos orientações de um amigo seu que quando
você acordasse, nós traríamos o notebook que ele deixou na recepção,
caso você quisesse usar.
Os olhos do enfermeiro brilham, mas não de forma metafórica. Duas luzes
amareladas, uma mais forte que a outra. Lídia acredita ser efeito dos
remédios. Afinal, tudo foi um pesadelo e que o que está passando agora é
o trauma de acordar de um sonho perturbador.
– Eu não estou me sentindo bem, moço... – diz Lídia, esfregando os olhos
e vendo o enfermeiro se afastar, seguindo em direção à porta,
provavelmente indo atrás do notebook. Ele olha a moça por cima de dos
ombros, deixando-a vislumbrar seu sorriso desconcertante e um olhar
macabro no canto dos olhos.
– Por favor, senhorita... Pode me chamar de Jeremias!
Roberto caminha com dificuldade pelo estacionamento do hospital
procurando o carro de Plínio. Ele tem esperança de pegar o notebook para
salvar Lídia. Criou um plano insano, mas, a essa altura dos fatos, tudo
o que deseja é dar um fim a essa história, como o Jorge disse em
sonho, ou delírio. Ele pensa no pai da menina, no que virou a exposição
da doença de sua filha na internet, no golpe de Plínio, usando o seu
código. Promete a si mesmo que, quando isso acabar, vai se dedicar a
algo em que não fique tanto tempo na frente de um computador.
– Eu só preciso sair daqui vivo.
O futuro ex-hacker avista o Fiat Uno de Plínio entre outros dois, poucos
metros à frente. Respira fundo, tomando coragem para chegar perto do
veículo. Sabe que pode estar caminhando para uma armadilha, pensada
meticulosamente pelo pequeno demônio que se tornara Bruna.
Devagar, Roberto se aproxima do carro, mas se esconde ao ouvir passos.
As pisadas firmes evidenciam dois pares de botinas indo até o Fiat Uno
vinho, objeto de desejo e de observação de Roberto.
Para seu desespero, os dois policiais que antes estavam na recepção
circulam o carro. “Talvez procurando evidências minhas!”, pensa o rapaz,
que tenta se afastar da cena.
Os policiais se entreolham como se estivessem comunicando-se por
pensamento. Um deles acena com a cabeça positivamente. O parceiro tira o
cassetete da cintura e o desfere contra o vidro do veículo.
Roberto se assusta ao ver um dos policiais mergulhado no interior do
carro, enquanto o outro procura por possíveis observadores, ou pior, por
ele. Logo o policial emerge do carro com o notebook de Plínio nas mãos.
Os dois policiais andam a passos largos em direção a uma pequena garota
que está próxima à recepção, e um deles fala com ela. Roberto se
descuida e sai do esconderijo, tentando identificar a criança, que
aponta para ele. O policial entrega o notebook ao parceiro e parte em
direção ao apavorado hacker. Não resta dúvidas de que a maldita menina é
Bruna. Sem opções, Roberto corre de volta ao lugar de onde foi
praticamente expulso.
Ele atravessa o corredor longe de sua melhor forma, cansado de tudo o
que passou até agora, mas sem desistir de salvar sua amiga e, neste
momento, a si mesmo. Está de volta ao corredor onde Plínio matou Ingrid.
Se ele estiver certo, sua única chance de sobrevivência está ali.
Chegando à frente do quarto onde Plínio encontrara seu fim, Roberto bate de cara na porta.
– Quem fechou essa porra? – indaga Roberto para o nada, empurrando a porta. – Abre, desgraça!
Ele já consegue ouvir o policial correndo.
– Abre, pelo amor de Deus! – pede baixinho, enquanto força a porta.
– É você, Roberto?
– O quê?
– Peraí, parceiro – continua a voz, mexendo na maçaneta. Seu amigo
Gésser, o mesmo que abrira a porta anteriormente, mandando Plínio para a
morte certa, está do outro lado. Roberto olha desesperado para a sombra
projetada na parede no fim do corredor e constata que o seu fim está
próximo. Porém, novamente é salvo pelo clique daquela porta.
Roberto cai para dentro do quarto, exatamente onde deveria estar o corpo de Plínio, debaixo dos sacos de cimento.
– Pronto, doidão – diz Gésser, ainda monstruosamente deformado, saindo
do quarto, pisando cuidadosamente entre as pernas de seu amigo. – Tenho
que resolver umas coisinhas agora, ok? Nos vemos mais tarde, parceiro!
Ao perceber que a vítima dos sacos de cimento não está mais naquele
lugar mal iluminado, ele tateia procurando a arma, o motivo de sua
volta. Roberto se surpreende ao ver que quem aparece na porta do quarto
não é o policial, mas sim Plínio, com a cabeça retorcida e escorrendo
pelos ombros.
O hacker berra ao ver o corpo disforme avançar e finalmente encontra o
que queria, ao tentar se afastar da aberração. Engatilhando a arma,
Roberto atira naquilo que pouco lembra um ser humano. A criatura para na
mesma hora. Um segundo tiro no peito faz com que o monstrengo dê alguns
passos para trás, enquanto Roberto fecha seus olhos fortemente, rezando
para que o tiro tenha sido certeiro.
Quando volta a abri-los, percebe que o corpo sentado no chão do corredor
em frente ao quarto é na verdade o policial que o seguia, de olhos
esbugalhados, fitando-o, como se o amaldiçoasse.
Com a arma em punho, Roberto se levanta e atravessa o corredor em
direção à recepção e encontra a porta fechada, como da última vez.
Ele a empurra com força, esperando vencer o que quer que esteja
separando-o do confronto com Bruna. No entanto, toda a sua força não a
fará ceder. “E se der uns tiros na fechadura?”, mas desiste logo, pois
não gosta da ideia de chamar mais atenção para si. Ocorre-lhe então um
plano tão bizarro que pode dar certo. Encostando a cabeça na porta,
coloca sua boca próxima à fresta e respira fundo. Toma coragem e fala.
– Leda? Você está aí, querida? – a palavra “querida” saiu sem querer,
mas Roberto reconhece que forçou a barra. Afinal, não há nada de querido
na figura da mulher que teve a cabeça separada de seu corpo.
– Você pode abrir a porta para mim, Leda?
Roberto fecha os olhos, pensando na loucura que está fazendo. Já não é
prudente estar onde morreram seus amigos, ainda mais chamando por alguém
que padeceu de forma tão horrível por sua culpa. Pensa em reconsiderar,
talvez dar a volta. Bruna já deve estar dentro do hospital, mas ainda
tem um policial na sua cola. Ele não pode se arriscar a dar a mesma
sorte que antes, além da munição do revólver que deve estar acabando.
– Leda, eu preciso acabar com isso. Abre para mim, menina. – diz
Roberto, com a testa na fresta da porta. Ouve um barulho vindo do outro
lado, que parece o destrancar de fechadura, para a surpresa de Roberto. A
ideia de ser atendido pelo sobrenatural, por mais que tenha pedido, não
o deixa confortável.
Ele mal consegue controlar a ansiedade. O hacker guarda a arma de seu
finado amigo na cintura e a aproxima a mão da porta, que se abre um
pouco, como se repelida. Roberto a empurra de uma vez e encara a
recepção do hospital Santo Antônio, que parece mais familiar do que
antes. Leda está em pé do lado de uma maca, tentando não ser notada
pelos pacientes que lotam o corredor. Está com a cabeça grudada no
pescoço, o que não impede que um filete de sangue circunde o corte
fatal. Em alguns pontos, escorre como um pequeno vazamento, manchando o
uniforme da Locadora Filmagia.
– Obrigado, Leda – sussurra Roberto.
Leda nunca fora uma má garota para Roberto. Ajudou-o a superar a
adolescência introspectiva, tornando-se “o único amigo do sexo feminino”
dele. O baixo nível de desejo entre os dois, talvez por julgarem-se
feios demais para se interessarem pelo outro, fez com que a amizade não
fosse maculada por tensão sexual. Era só a solidariedade comum entre
dois excluídos. Isso durou até Roberto decidir fazer faculdade e assim
aumentar a sua rede de amigos esquisitos, enquanto Leda ficou em segundo
plano, por decidir fazer um curso técnico e passar sua curta vida atrás
de um balcão, esperando o emprego ideal.
Roberto pensa no quanto foi injusto com Leda, diminuindo o contato sem
motivo aparente, reduzido a poucas mensagens, algumas piadas repassadas
por amigos, sem nenhum toque pessoal. Ele não se lembra de ter lhe
enviado uma mensagem sequer nos últimos meses, mas Leda não levou isso
em consideração quando abriu a porta.
– Tenha uma boa morte, Beto – deseja Leda, sem conseguir evitar de
espumar sangue pela boca. Roberto se pergunta se Leda está magoada por
ter sido deixada de lado e ter morrido de forma tão macabra ou se está
sendo sincera no seu desejo, provando ser a amiga que sempre foi. Ele a
olha e com lágrimas nos olhos, ajeita a arma, procurando escondê-la
melhor. Não consegue evitar um desabafo.
– Eu já estou morto, Leda...
No quarto onde Lídia está, o clima é de paz, mas mesmo assim ela se
sente mal. É como se fosse uma paz artificial, o branco é branco demais,
o silêncio é quase uma privação de sentidos, deixando sua voz
absurdamente alta ao fazer coisas simples, como comentar sobre o próprio
quarto. Está tudo muito estranho, a começar pelo nome daquele
enfermeiro.
– Jeremias... – sussurra Lídia, deixando escapar o nome que estava na
superfície de sua mente. Apesar de não ser familiar, incomoda-a.
– Sim, mocinha? – diz Jeremias, abrindo a porta.
– Oi, Jeremias.
– Me chamou, Lídia?
– Não...
– Eu ouvi meu nome, mocinha... Está tudo bem? – ele se aproxima.
– Não, apenas pensei em seu nome. Posso até ter falado baixinho.
– Ah, devo ter me confundido. Bem, já que estou aqui, quer alguma coisa?
– Não, estou bem.
A conversa é interrompida com duas batidas na porta do quarto. Jeremias a
abre e recebe o notebook de Plínio. Sua satisfação é mostrada por um
sorriso que chega próximo do grotesco.
– Ah! Olha o que trouxeram para você, Lídia. – Jeremias mostra o
notebook para a enferma, como se oferecesse o maior dos presentes. – Use
com sabedoria!
Roberto caminha pela recepção e a enfermeira responsável por receber os
doentes não está lá. “Totalmente compreensível, deve ter sido engolida
pelos desesperados por atendimento”.
– Meu marido morreu! Meu marido morreu aqui, gente! – a mulher,
desesperada, abraça o esposo. A enfermeira aparece e constata o óbito.
Um médico tenta confortar a viúva.
As pessoas avançam contra ele e a enfermeira, numa mistura de indignação
e pavor. Todos querem ser salvos, atendidos, curados. Porém, já que não
conseguem, algo naquele ambiente os incita a descontar sua ira nos
dois.
Roberto está bem no meio da confusão. Seus pontos na barriga se abrem de
vez e expõem parte da carne castigada, em processo de pura inflamação.
Ele urra de dor ao mínimo toque, mas enfrenta a multidão mesmo assim.
Precisa desesperadamente chegar até o fim do corredor.
Pisando nos mais debilitados pelo caminho, o hacker tem certeza que o
marido daquela pobre mulher levou pelo menos mais duas pessoas com ele.
Ele começa a gritar durante a travessia por aquele corredor polonês,
deixando sua frustração falar mais alto. Soca os doentes para abrir
caminho para a libertação, deixando uma marca vermelha pelo percurso.
Ao sair da confusão, Roberto confere se o revólver ainda está em seu
poder e avança pelo corredor. O lugar está claro em sua mente como um
pesadelo vivo. Ele até sabe para onde precisa ir.
– Quarto 118. Quarto 118. Quarto 118 – repete como um mantra, a arma em punho.
Ele dobra à esquerda, como fez no seu sonho. O lugar parece um pouco
mais com a sua visão, já que boa parte dos pacientes dos corredores está
envolvida na catártica confusão. Apenas um policial se encontra no
corredor, na altura do quarto 118, e é atingida por um tiro certeiro na
testa.
Roberto se abaixa para pegar a arma do policial, sem remorso. Ele já
sofreu demais para pensar em outra pessoa senão Lídia, que oferecera sem
intenção a um destino macabro e cruel. Alivia sua consciência
acreditando que aquele homem estava sob domínio do pequeno demônio e que
certamente iria matá-lo antes, se tivesse a oportunidade.
Lídia deixa a desconfiança de lado e liga o notebook de Plínio. Agora
tem pressa em saber se tudo que passou foi mesmo um sonho. Acessa a
internet via conexão móvel, coisa que Plínio não dispensa, e abre sua
caixa postal.
Em meio a algumas mensagens de amigos, aviso de atualização de perfis e
os spams habituais, Lídia acha o que procura: uma com a linha de assunto
bastante diferente.
Só falta você, Lídia.
Então, tinha mesmo acontecido – todas aquelas mortes, aquela dor e
desespero? Tudo realidade? Suas mãos começam a suar. Os dedos tropeçam
pela base sensível ao toque do notebook, na área destinada à manipulação
do cursor, na ausência do mouse. O ato de fazer a pequena seta
responder ao toque sobre a pequena placa já é uma grande dificuldade, o
que piora ao saber que a sua vida depende disso.
Quando finalmente consegue estacionar a seta sobre o título da mensagem,
dá o toque necessário na placa, desesperada, simulando um clique com o
mouse, a fim de abrir o e-mail. O nervosismo que encharca o seu dedo faz
com que ela não consiga acessar o seu destino.
– Vamos, entra! – Lídia, nervosa, toca duas vezes no link. Nesta segunda
tentativa, o primeiro toque já é o bastante. A seta, que antes de
entrar estava posicionada em cima do título do e-mail, foi parar sobre o
botão Excluir mensagem. O segundo toque pega em cheio o botão.
Antes mesmo dela gritar, pula na tela a costumeira advertência,
perguntando se o usuário quer realmente fazer isso. Novamente, a seta
para em cima da opção OK, o que descartaria a mensagem. Lídia viu o que
aconteceu com os amigos de Roberto e, definitivamente, não quer isso pra
si.
Ela respira fundo e olha bem para a janela de advertência. Sabe muito
bem que o menor toque equivocado na placa pode ser interpretado pelo
computador como uma confirmação da exclusão da mensagem.
Lídia chora nervosa, leva as mãos aos olhos.
– Meu Deus, como isso pôde acontecer comigo? – pergunta, à espera de uma resposta, ou, quem sabe, de um milagre.
– Está chorando por quê, menina? – Jeremias, aproxima-se.
Ele pega o notebook na altura do monitor e gira para o seu lado, a fim
de ver o que Lídia fez. Ele torce o nariz, olha para ela e, aos poucos, o
sorriso dá lugar a uma respiração ofegante. Jeremias mal consegue
conter a sua ira, enquanto seu olho começa a sangrar e cortes no rosto
abrem em grandes feridas.
– É, Lídia... Tu entrou numa sinuca de bico! Se tu, mesmo que por acidente, deixa de enviar a corrente...
O rosto de Jeremias está completamente disforme. A sua roupa branca está
completamente tomada pelo sangue enegrecido que teima em sair por todos
os cortes feitos por Bruna.
– ... Vou ter que mudar o tipo de serviço oferecido até agora!
Lídia olha para Jeremias e o que parecia efeito dos remédios ou traumas
do acidente fica aparente. Ela finalmente assume que estava tentando se
enganar desde quando se viu na cadeira de rodas. O aperto em seu coração
teimava em macular os segundos de paz que gozou naquela perfeição
exagerada.
– Não foi um pesadelo... – lamenta Lídia, lágrimas correndo pelo rosto abatido.
– Pelo jeito não, garota... – tenta confortar Jeremias, com um rosto
monstruoso, porém dolorido, comovido com a triste sina de Lídia. – Mas
se tudo isso for um pesadelo mesmo, com certeza ainda não acabou!
Ele vira o notebook para Lídia, para que ela decida o que fazer.
Lídia volta a atenção para o pequeno computador, sabendo que sua vida
depende da leveza do toque dos seus dedos. Decide colocar nas mãos do
destino. Se conseguir cancelar a exclusão de sua mensagem, encarará como
uma chance de prolongar a sua vida, enviando o e-mail para sete
pessoas. O problema então passaria a ser deles.
Lídia toca, de olhos fechados e com o dedo úmido, a placa e em seguida o
arrasta pela superfície. Ao abrir os olhos, sua primeira imagem é um
Jeremias sorridente, junto com Plínio, Gésser, Leda, Ingrid e André
circundando a cama do hospital, em clima de festa.
– Parabéns, Lídia! – diz Jeremias, em meio aos risos dos presentes no
quarto. Lídia olha para o notebook e percebe que conseguiu se livrar da
ameaça de deletar a mensagem. – Agora, faça o que é certo!
Lídia então clica na opção Encaminhar Mensagem e começa a escolher entre seus contatos pessoas que raramente via.
– Isso, Lídia! Logo tudo estará acabado para você! – André está
novamente bonito e forte, sem o rosto desfigurado por ter sido enfiado
em um monitor.
– E vocês?
– Fomos amaldiçoados pelo meu chapa Roberto, Lídia – Gésser responde,
coçando a cabeça. – Só descansaremos se ele morrer... ou a Bruna!
– Como assim? – antes que Lídia possa ser respondida, um tiro é
disparado no corredor ao lado do quarto. – Meu Deus! O que está
acontecendo?
– Vou verificar. – Jeremias se aproxima da porta do quarto – Não precisa
esperar por mim, menina, apenas seja a única sobrevivente dessa
corrente e tire a Bruna de sua vida!
– Mas não sei se consigo fazer isso com alguém!
– Olha, Lídia, se eu estivesse na sua situação, mas tivesse a
consciência de como é do lado de cá... – Jeremias mostra as feridas no
rosto, enfatizando suas palavras. Em seguida, consegue se controlar e
conservar a aparência sociável, fazendo as feridas retrocederem. – ...
eu teria mandado a corrente para mil pessoas, se fosse necessário!
Ao sair do quarto, Jeremias tem a grata surpresa de encontrar Roberto se
preparando para pegar a arma do policial .Antes que o hacker leve a mão
ao coldre, o enfermeiro interrompe-o, puxando-o pela camisa.
– O que você está fazendo, rapaz? A festa é aqui dentro!
No próximo capítulo:
– O que você fez, seu idiota? – reclama Leda, fazendo o corte na garganta escorrer sangue.
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